Conceção, investigação e direção artística de Bruno Caracol.
2024-25
Próxima apresentação: Ecomuseu do Barroso, 6 e 7 de fevereiro.
Os territórios onde os lobos se estabelecem encontram-se em disputa por projetos energéticos e de mineração. O Barroso, em particular, viu os topos das suas serras serem tomados por parques eólicos que, ao estabelecerem-se, cortam os topos de serra, antes inacessíveis, com vias de acesso aos geradores. Decorrem, entretanto, trabalhos de prospeção para a mineração de lítio, alguns deles em terrenos de baldios comunitários, contra a vontade das populações. Nas últimas décadas assistimos, ainda assim, a um regresso dos lobos às serras portuguesas, onde o trabalho da conservação vai tomando o lugar de uma oposição ancestral, ao mesmo tempo material e simbólica.
Com conceção e direção artística de Bruno Caracol, Ver como um lobo parte da relação entre corpos de lobos e corpos humanos, dos usos dados pela medicina popular a órgãos de lobos (goelas, olhos, ossos) conservados, das imagens das caçadas, aos modelos de previsão de comportamento e de gestão de população usados pela Biologia. Este é um projeto de recolha e reprodução de relíquias de lobos, manipulação de imagens de caçadas, recolha de mapas dos movimentos das populações lupinas e a construção de uma paisagem sonora, que resulta numa instalação multimédia.
Lá vai lobo, lá vai lobo! Nã leva nada na boca; Nã basta a fome ser munta, Senão a roupa ser pouca.
Quadra da Mexilhoeira Grande, Algarve.
Ver como um lobo trata de procurar paralelos possíveis entre os corpos de lobos e de humanos, cruzando-os com uma visão territorial construída a partir dos instrumentos da investigação científica. O projeto cresce a partir de uma procura por uma precariedade discursiva, pelas explicações incompletas, pelas contradições, alimentada por um entendimento da confusão como lugar vital. Uma vitalidade para a qual importa abrir espaço.
“Para além das utilizações estritamente médicas, desde tempos imemoriais que se atribui a vários produtos derivados do lobo um poder apotropaico para conjurar, ligar ou anular influências maléficas e feitiços, ou se utilizam partes do lobo como amuletos para obter coragem, vencer o medo e o pavor. Certas partes do lobo eram utilizadas como elemento «mágico» para aumentar a potência sexual dos homens, a virilidade, e o desejo sexual das mulheres (…). Mas também eram utilizadas para o contrário: como anafrodisíaco nas mulheres, para fazer desaparecer o seu apetite e desejo sexual, e o pénis do lobo era utilizado para causar impotência nos homens. As presas, a pele e os ossos eram elementos utilizados em estranhos rituais para enfeitiçar para fins amorosos (…).” Lupus Morbos Sanabat. El carácter utilitario del lobo ibérico y su dimensión simbólica, Francisco Álvares, José Antonio González, Javier Talegón, José Ramón Vallejo, Editorial Paso Honroso, 2019.
“No final do século XX, os ossos de lobo ainda eram comercializados nos mercados medicinais de Israel, nomeadamente para combater problemas de «relações íntimas». No Nordeste da Índia, uma parte de pele de lobo queimada era consumida para evitar ataques de tosse ou para reduzir a febre. Na medicina popular da Mongólia, dizia-se que comer os intestinos de um lobo aliviava a indigestão crónica e polvilhar a comida com reto de lobo seco em pó era um remédio recomendado para as hemorroidas. No Nepal, a carne e os ossos de lobo eram tradicionalmente utilizados para tratar a lepra. Alguns grupos étnicos ainda consomem carne de lobo para tratar dores osteoarticulares e a língua do lobo era utilizada como remédio para dores de garganta. As cabeças de lobo são ainda hoje utilizadas para adoração num ritual chamado Si-Puja, organizado para expulsar os maus espíritos da aldeia. Alguns aldeões penduram cabeças de lobo à entrada das suas casas (no interior) para evitar que os maus espíritos entrem na casa. No Butão, a medicina Sowa Rigpa aconselhava o consumo de carne de lobo para curar a indigestão e o timpanismo, desobstruir os intestinos e promover a força física.”
LVPVS MORBOS SANABAT – El caracter utilitario en el simbolismo del lobo iberico, v.a., Editorial Paso Honroso, Salamanca, 2019.
“Em numerosas localidades, o filho ou filha que nasce depois de sete irmãos do mesmo sexo deve tornar-se afilhado [afilhada] do irmão ou irmã mais velho(a), para não estar condenado(a) a ‘correr a sorte’, isto é, a ser ‘lobisomem’ ou ‘bruxo’” — e ser, além disso, propenso(a) a ataques epilépticos (Veiga de Oliveira 1959, 159-60).”
Os sétimos filhos ibéricos, os lobisomens e o matador de dragões, Francisco Vaz da Silva, 2003.
Em 2008, a associação Grupo Lobo alertava para o risco de extinção da espécie no distrito de Vila Real. Subsistiam à época menos de 90 lobos. Ao provocar alterações drásticas no habitat, o «desenvolvimento humano» é o fator decisivo para o desaparecimento do isolamento, que ameaça a sobrevivência de outras espécies. Estavam em causa as já construídas auto-estradas A7 e A24, as muitas pedreiras ilegais nas serras, e previa-se a construção de quatro barragens na zona do Alto Tâmega e de vários parques eólicos. Todas foram construídas.
O projeto Ver com um lobo teve o seu primeiro encontro com o público no Festival PreOcupada, no Convento de São Francisco, em Montemor-o-Novo, sede da Associação Cultural Oficinas do Convento, onde parte da pesquisa para a materialização dos objetos foi realizada. Em 2024, seguiram-se mais três momentos de apresentação: no Túnel, na cidade do Porto, na Academia de Artes de Chaves, em Chaves, e no espaço da SMUP, na Parede, a convite da Nariz Entupido. Em 2025, haverá para já uma apresentação no Ecomuseu do Barroso, em Montalegre, nos dias 6 e 7 de fevereiro.
Prepara-se ainda uma publicação sobre o projeto, com lançamento previsto para o início de 2025, com fotografias de Odair Monteiro e textos de Margarida Mendes, Godofredo Enes Pereira, Francisco Álvares, Pedro Primavera e Bruno Caracol.
Bruno Caracol estudou Artes Plásticas na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e Ciências da Comunicação na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – NOVA. Tem dedicado os últimos anos a trabalhar a partir de objetos ressonantes, de futuros ficcionais e da relação com o mundo não-humano.
Conceção e coordenação: Bruno Caracol
Fotografia: Odair Monteiro
Composição de peça sonora: Laura Marques e Bruno Caracol
Sopros: Quinteto Transmontana Brass
Assobios, vozes, sons: Aurízia Dias, Carles Mas e Maria Carvalho
Comunicação: Marta Rema
Produção e gestão financeira: Ricardo Batista
Acompanhamento: Margarida Mendes
Parceiros: Academia das Artes de Chaves, Buala, Brass – Fundição Artística, Câmara Municipal de Montalegre, CIBIO, coffeepaste, Ecomuseu do Barroso, Oficinas do Convento, Redsky
Financiamento: DGArtes – República Portuguesa, Câmara Municipal de Montalegre
Organização: efabula
Publicação
Ensaio visual: Odair Monteiro
Fotografias de arquivo: Francisco Álvares
Imagens processo: Bruno Caracol
Textos: Francisco Álvares, Godofredo Enes, Margarida Mendes
Design gráfico: Pedro Nora