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Atlas da Solidão

Caminhada-espetáculo, concerto, conferências, curso,  dança, exposição, laboratório de expressão experimental para adolescentes, performance-instalação.
 
Com Adalberto Carvalho, Ana Cristina Pereira, Bert Timmermans, David Marques, Horácio Frutuoso, Isabel Cordovil, Joana Cavadas, Joana Ramalho, José Carlos Teixeira, Luís Barbosa, Mag Rodrigues, Manuel Mota, Margarida Garcia, Paula Diogo, Pedro Lagoa, Rui Miguel Costa, Sónia Martins, Vânia Rovisco, Vrndavana Vilasini.
 
Conceção e direção artística de Marta Rema
Abril de 2023

Em novembro de 2022, três migrantes realizaram uma viagem entre a Nigéria e as Ilhas Canárias escondidos na pá do leme do Petroleiro Alithini II. Viajaram escondidos, agarrados ao leme do navio, sem comer nem beber durante 11 dias. Foram resgatados pelas autoridades marítimas espanholas em Las Palmas, nas Ilhas Canárias, e deportados alguns dias após o resgate à Nigéria, na mesma embarcação.

O fenómeno da solidão é vasto e complexo. Apesar de estar presente em todos os setores da sociedade, tendo por isso deixado de ser um problema de velhos, a verdade é que ninguém fala de solidão. A nível político o tema está completamente silenciado. E, no entanto, a solidão é uma questão política. A solidão é um estado pessoal, social, económico e político. A solidão e o isolamento social são tão preponderantes na Europa, EUA e China, que desde muito antes da pandemia têm vindo a ser expostos como uma «epidemia comportamental». As restrições para conter o vírus SARS-CoV 2 agravaram a situação, com elevado custo e consequências potencialmente graves para a saúde mental e física, um risco amplificado naqueles que têm doenças mentais pré-existentes. Mas perante o hodierno flagelo da felicidade, a solidão é um estigma: muitas pessoas negam que se sentem sozinhas.
 
 

Vivemos no tempo mais conectado da história da humanidade e sentimo-nos isolados, esquecendo também que a solidão e a monotonia têm também um lado positivo: são essenciais para a abertura ao pensamento crítico e para a fruição da criatividade. Porque se torna a solidão ameaçadora? Num mundo que se tornou mais veloz do que nunca, como podemos combater os seus efeitos nocivos?
Para convocar uma reflexão sobre as múltiplas dimensões da solidão, Atlas da Solidão procura abordar o tema dos pontos de vista teórico, simbólico e prático. O programa — que inclui conversas, um concerto, uma oficina para adolescentes, um curso, performances, dança e uma exposição — concentrou-se na Appleton, em Lisboa, ao longo do mês de abril de 2023, que serviu de plataforma de encontro entre o público e os intervenientes do projeto.
 
 

Quero um dia em que não se espere nada de mim

Exposição com obras de Bert Timmermans, Horácio Frutuoso, Isabel Cordovil, Joana Ramalho, José Carlos Teixeira, Luís Barbosa, Mag Rodrigues e Pedro Lagoa.
 
De 31 de março a 29 de abril, 2023
 
 

©alípio padilha, joana ramalho, mental illness is no joke (2020), 2023

©Alípio Padilha, Joana Ramalho, mental illness is no joke (2020), 2023

©luís barbosa, the prison photo project, 2016.

©Luís Barbosa, The prison photo project, 2016.

©alípio padilha, bert timmermans, tons subterrâneos do grande rumor, ii.4 (2014), 2023

©Alípio Padilha, Bert Timmermans, Tons Subterrâneos do Grande Rumor, II.4 (2014), 2023

©alípio padilha, horácio frutuoso, sozinhx (2018), 2023

©Alípio Padilha, Horácio Frutuoso, Sozinhx (2018), 2023

©josé carlos teixeira, no exílio, fragmentos em busca de significado, 2016-17

©José Carlos Teixeira, No Exílio, fragmentos em busca de significado, 2016-17

©mag rodrigues, as senhoras, 2019

©Mag Rodrigues, As Senhoras, 2019

©mag rodrigues, homenagem à pacheca e a todas as pachecas deste mundo, 2021

©Mag Rodrigues, Homenagem à Pacheca e a todas as Pachecas deste mundo, 2021

©pedro lagoa, sem título (o problema económico do masoquismo), still vídeo, 2013

©Pedro Lagoa, sem título (o problema económico do masoquismo), still vídeo, 2013

©alípio padilha, isabel cordovil, isobel (2022), 2023

©Alípio Padilha, Isabel Cordovil, Isobel (2022), 2023

Cada um de nós pensa na solidão de uma forma única. Formamos as nossas opiniões sobre o tema através de experiências diferentes. Quão diferentes são as nossas experiências de solidão? Em que espaços e em que tempos cada um de nós se sente sozinho? Como é que os nossos papéis sociais, laborais e familiares influenciam a nossa experiência da solidão? O que significa um momento de solidão para aquele que raramente a encontra? E o que fazemos com esses momentos quando eles se proporcionam? Será a solidão um luxo? Como é que imaginamos a solidão dos outros? Em que medida é que as nossas perceções e as suas experiências diferem? O que é uma solidão saudável, aceitável, e que parâmetros usamos para a definir? Embora internamente a experiência possa ser muito diferente, há também a ideia — muito contemporânea — de uma solidão partilhada. Existe algum tipo de ligação entre pessoas que se sentem sozinhas? São diferenças que parecem ter sido ampliadas ao longo da pandemia, mas o que é a solidão historicamente? Quero um dia em que não se espere nada de mim, pretende pensar o duplo potencial da solidão como força perturbadora e lugar de privilégio histórico.

As implicações sociais e morais de viver solitariamente foram vigorosamente debatidas no início da Europa moderna. Os benefícios de uma vivência solitária eram exaltados no contexto do estudo académico e em torno da prática devocional cristã, mas eram também entendidos como uma obrigação moral que encerrava uma autoridade. Os teólogos advertiam que o tempo longe da família e da comunidade poderia levar a episódios depressivos ou deixar-nos vulneráveis à tentação e a solidão estava escrupulosamente regulada por normas culturais e sociais: era aconselhada ou permitida. É dessa forma que encontramos obras de Rembrandt van Rijn, Jacob van Campen, Heyman Dullaert ou Cornelis Bisschop sobre a reclusão no seu trabalho. Essas representações de figuras solitariamente empenhadas em estudos, orações ou canções, proporcionaram oportunidades para uma exploração artística da interioridade humana e ajudaram a inspirar ideais de devoção e erudição. Por outro lado, essas imagens ajudaram também a definir conceções de género e de classe baseadas em distinções e privilégios que ainda hoje se sentem.

©Bert Timmermans, Träume von metallisiertem Fleisch, mistura de suportes mistos sobre painéis duros, 2022.

Terra Nullius

Paula Diogo
 
Caminhada-espetáculo
Versão Do It Yourself para o Atlas da Solidão.
 
Dias 4 e 5 de abril, 2023
Áudio e livro disponíveis das 14:00 às 17:50

Terra Nullius é um espetáculo-percurso que tenta capturar a experiência de um lugar distante. Durante um ano, Paula Diogo esteve em Reykjavik a desenvolver um projeto que tentava capturar uma ‘experiência do lugar’, cruzando-a com narrativas pessoais e coletivas. Como procedimento usou duas ações simples: caminhar e escrever. Para cada nova localização um percurso é desenhado na cidade, criando uma sobreposição com a faixa sonora pré-existente. Paula Diogo fez uma versão da peça para o Atlas da Solidão, em que convida o público para uma caminhada solitária nas imediações da Appleton, sem percurso pré-definido.

©Terra Nullius, Paula Diogo, Atlas da Solidão, 2023.

Paula Diogo é atriz, performer e encenadora com um percurso marcado por processos colaborativos, dedicando-se à criação e à produção de objectos artísticos. Tem uma licenciatura em Teatro pela ESTC em Lisboa e um Mestrado em Artes Performativas pela Icelandic Academy of Arts. Cofundadora de várias companhias e coletivos tais como o Teatro Praga, TRUTA e O Pato Profissional, tem trabalhado ao longo dos anos com diversos artistas e companhias, nacionais e estrangeiros.

Mais recentemente fundou a Má-Criação, uma plataforma que reúne criadores de diferentes percursos e geografias e integra o colectivo Celestial Bodies, um novo projecto dedicado à abertura de espaços que integram práticas de solidariedade, cuidado, empatia e espanto. Paula Diogo é uma das artistas apoiadas pela apap – FEMINIST FUTURES um projeto cofinanciado pelo Programa Europa Criativa da União Europeia. Vive em Lisboa.

Melancolia, arte e literatura

Vrndavana Vilasini
 
Curso online
De 10 a 13 de abril, 2023

©Albrecht Dürer, Melancolia, 1514

A melancolia é uma febre. Com polaridade dupla, desperta fantasmas de corações profundamente feridos. Expatriado, o melancólico revolve nas ruínas da memória a figura do amor há muito tempo perdido. Neste curso, Vrindavana Vilasini aborda a representação da melancolia na arte e na literatura a partir de exemplos teóricos e poéticos, procurando a anatomia da natureza melancólica e a sua pluralidade de manifestações. Através de elementos históricos, médicos, filosóficos e artísticos, iremos dedicar-nos a refletir sobre o temperamento da condição melancólica.
 
Bibliografia
1. Luto e melancolia, Sigmund Freud
2. Metáfora e melancolia, Jackie Pigeaud
3. Sob o signo de Saturno, Susan Sontag

Vrandavana Vilasini (BR, Gôiania, 1990) é licenciada em Artes Visuais pela Faculdade de Artes Visuais – Universidade Federal de Goiás (UFG). Mestre em Literatura pela Universidade de Brasília (UnB), desenvolve pesquisas científicas no campo das Artes Visuais e Literatura, sobre teoria da melancolia e da poética da viagem. Atualmente é doutoranda no programa de pós-graduação em Artes Visuais da Universidade de Brasília (UnB).

Margarida Garcia e Manuel Mota

Concerto
14 de abril, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

Concerto contemplativo de Margarida Garcia e Manuel Mota, cuja linguagem sonora proto-cinematográfica onde o silêncio perfura, desvia e perturba constantemente a forma musical, funciona como um ponto de charneira que catapulta o som para o universo da matéria e nos mergulha no recolhimento e reclusão de um tempo que se anula a si próprio e que descobrimos.

Manuel Mota é músico com atividade pública desde 1990. Realizou concertos na Europa e nos EUA. Cria a editora Headlights em 1998-99, onde tem editado a maior parte da sua música. Fez colaborações duradouras com Margarida Garcia e David Maranha/Osso Exótico. Outras colaborações a destacar: Marcia Bassett, David Grubbs, Noel Akchoté, Giovanni Di Domenico, Okkyung Lee, Chris Corsano, Tetuzi Akiyama, Toshimaru Nakamura. Colabora com a Appleton – Associação Cultural na sua programação musical de 2019 até hoje. Formou-se em Arquitetura em 1996.

Margarida Garcia tem vindo a desenvolver uma linguagem muito pessoal e singular para contrabaixo elétrico. Simples, melodiosa, lenta, sub-aquosa, palpitante e melancólica. Ultrapassa a praxis contemporânea de improvisação com uma espiral vinda do fundo do subsolo psicadélico contemporâneo. Antes de ter estado em Nova Iorque, em 2004, onde tocou regularmente em concertos com Loren Connors e Marcia Bassett, foi uma figura muito presente no som underground em Lisboa. Aí, conheceu o guitarrista Manuel Mota, com quem a primeira colaboração remonta a 1998. As suas explorações do arco, na sua maioria sombriamente dramático, em territórios profundamente obscuros e silenciosos, encontram-se igualmente em colaborações com Thurston Moore, David Maranha, Gabriel Ferrandini, Mattin e Nöel Akchoté, entre outros.

O mapa

Joana Cavadas
 
Laboratório de expressão experimental
Público-alvo: 14 aos 17 anos
 
15 de abril, 2023

©Joana Cavadas, 2023

Vivemos no tempo mais conectado da história da humanidade. Quando estamos conectados com os nossos ecrãs, estaremos sós ou a criar pontes? Cultivar a solidão é uma possibilidade de distinção, de criação de si mesmo e também de procura do outro. De que falamos quando falamos de solidão? Para que serve a solidão? Como é que imaginamos a solidão dos outros?
 
Neste laboratório de expressão experimental, vamos desenvolver um objeto artístico: cada participante irá criar a sua ilha, as suas pontes e o nosso mapa. Com O mapa, convermos e refletimos sobre diferentes perspetivas da solidão.
 
O laboratório resultou numa publicação em pdf com indicações para realizar a oficina em casa, que será enviada a quem a solicitar para press@efabula.pt

Joana Cavadas é licenciada em Design Gráfico no IADE (2006), tem formação em ilustração infantil (Ar.Co, 2007), fotografia analógica (Ar.Co, 2008), serigrafia (la lavenderia, Madrid, 2016), gravura (Fica, 2018), e curso de motion design (etic, 2019/20). Em 2010 obteve a bolsa INOV-ART para trabalhar no projeto educativo do Museu da Biblioteca Nacional de Espanha. Coordenou o projeto social +Caminhos, na ONG Casa do Caminho no Rio de Janeiro (2011/12). Criou oficinas infantis de expressão plástica, stop-motion, sensoriais, de ilustração, entre outras, em França, Espanha e Portugal.  Ganhou o concurso para realização das oficinas de verão no Museu de la BNE (2015, Madrid).  Atualmente trabalha como designer gráfica e ilustradora.

Comoção

David Marques
 
20 e 21 de abril, 2023
19H00

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

“Desde criança que escrevo. Desde que danço, uso as palavras para desenhar o que penso e sinto, para deixar isso inscrito na minha vida. A dança, que desde sempre me pareceu a melhor maneira de me expressar, não o podia inscrever da mesma maneira, nem sequer através da coreografia. A dança passa. Escrever ajudou-me, em momentos decisivos, a não esquecer. Fui acumulando textos, notas e frases — com origens e intenções que se perderam —, que possuem um elo entre eles: o facto de terem sido escritos num estado de comoção. Constato agora que, tanto a escrita, como aquilo que me levou a escrever, são, em muitos casos, tomadas de consciência, manifestações ou de ruturas ou de ligações a pessoas e a sítios. Os pequenos textos que escrevi de 2008 a 2022 foram todos escritos por impulso e a computador, muitos deles de madrugada, quando estava sozinho. Descrevem sonhos, visões, sensações, quase sempre com um interlocutor evidente. Voltar a estes textos no contexto desta performance, é também um modo de experimentar uma relação entre a palavra e o movimento, na qual estou interessado desde 2008, quando fiz o meu primeiro solo, “Motor de Busca”. Comoção faz ecoar palavras que nunca pensei dar a ouvir e mostra movimentos que imaginei especialmente para serem vistos.”
 
David Marques, fevereiro, 2023

David Marques nasceu em Torres Novas (1985) e trabalha como intérprete e coreógrafo. Estudou dança na Escola Superior de Dança – IPL em Lisboa e seguiu a formação em coreografia exerce do Centre Chorégraphique National de Montpellier, dirigida por Mathilde Monnier, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. Começou a desenvolver o seu trabalho coreográfico em 2007 com o solo ‘Motor de Busca’ (EIRA). Com Ido Feder criou a trilogia ‘Bête de Scène’/’Images de Bêtes’/’THE POWERS THAT B’ e com Tiago Cadete ‘Apagão’. Em 2017, apresentou ‘Ressaca’ na Culturgest, em Lisboa, e em 2019 desenvolveu com um grupo de seis intérpretes a peça ‘Mistério da Cultura’. Obteve o Prémio Autores SPA ‘Melhor Coreografia’ com ‘Ressaca’. Tem colaborado como intérprete em peças de Loic Touzé, David Wampach, Francisco Camacho, Filipa Francisco, Tiago Guedes, Lucie Tumova, Maya Levy e Hanando Mars (dança) Raquel Castro e Tiago Vieira (teatro) e Emily Wardill (artes visuais). Leciona na Escola Superior de Dança – IPL, Jerusalem Academy of Music and Dance, Danslab Bruxelas. É fundador da PARCA.

Criação, textos e interpretação: David Marques
Figurino (casaco): Marisa Escaleira
Gravação som de mar: Mestre André
Olhares exteriores: Nuno Pinheiro e Patrícia Milheiro
Produção: Parca
Coprodução: efabula
Apoio: Produções Real Pelágio, Câmara Municipal de Lisboa / Polo Cultural das Gaivotas | Boavista
Agradecimentos: Isaac Veloso, Tiago Cadete

Approach and Enter

Vânia Rovisco
 
28 de abril, 2023
17H00 às 19H00

©Alípio Padilha, 2023

“How do strangers encounters, encounters in which something that cannot be named is passed between subjects, serve to embody the subject?”
 
James Biddle

Neste trabalho criado em 2008, a bailarina e coreógrafa Vânia Rovisco explora movimentos de aproximação entre sujeitos e corpos, os limites da intimidade, da proximidade física e do corpo como superfície de inscrição de sentido. O recurso à palavra, reduzido e em registo minimal, é utilizado como dispositivo de visibilidade, abrindo o público à mobilização face ao corpo nu, exposto, oferecido, inerte, ao nível do seu olhar. O silêncio, a quietude e a exposição do corpo tornam-se mecanismos de revelação da condição de superfície, que é tanto projeção de desejo como inscrição social. Por sua vez, a palavra é utilizada como catalisadora das relações entre as imagens, as sensações e de dos corpos em presença.

Para além dos corpos e das palavras, das imagens e das condutas, como é que desconhecidos se encontram? Em que medida esses encontros não apenas envolvem ler o corpo do desconhecido, mas envolvem também a definição dos contornos e dos limites do corpo familiar, através dos gestos que permitem a sua localização num determinado espaço em relação?

©Alípio Padilha, 2023

Vânia Rovisco é artista visual performativa. Concluiu o Curso para Intérpretes de Dança Contemporânea do Fórum Dança (1998-2000). Trabalhou como intérprete com Meg Stuart/Damaged Goods (2001-2007) em diversas peças e projetos de improvisação. Colaborou com Pierre Colibeuf; Helena Waldman; Gordon Monahan; Vera Mantero, entre outros. Em 2004 começou a fazer direção de movimento com diretores João Brites; Marco Martins entre outros. Desde 2003 dá formação em vários cursos profissionais.

Em 2007 tomou a decisão de colocar o corpo no contexto da galeria de arte, concebendo instalações e performances, vindo a tornar-se um alicerce na conceção do seu trabalho, envolvendo também vídeo. É cofundadora da plataforma artística AADK, existente em Portugal e Espanha. Fez a curadoria do Programa Avançado de Criação em Artes Performativas – PACAP3 no Forum Dança em 2019 e, nesse mesmo ano, criou The Plot, um espaço que visa integrar várias disciplinas e práticas artísticas acolhidas na encruzilhada do campo e da cidade, 40 quilómetros a sul de Lisboa.
 
Agradecimentos: Verónica Metello

Uma comunidade de solidões*

Conferências
29 de abril, 2023

Primeira conversa: 14H00-16H00 Adalberto Carvalho + Sónia Martins
 
Segunda conversa: 16H30-18H30 Ana Cristina Pereira + Rui Miguel Costa
 
Marta Rema (moderação)

Como é que a vida moderna se tornou tão solitária? Até à contemporaneidade, muito poucos seres humanos viviam sozinhos. Aos poucos, não muito mais do que um século atrás, isso mudou, e hoje, em todo o mundo, há cada vez mais pessoas a viver sozinhas, uma percentagem que se acentua em particular nos países mais ricos. A solidão, parece desnecessário dizer, é tóxica e terrível para a saúde. Mas é importante manter as coisas em perspetiva. É inadequado comparar a vulgarização da vida sozinho com a “epidemia de solidão”, que é o que os artigos dos jornais escrevem frequentemente em manchetes alarmantes. Os ingleses têm duas palavras para se referirem a dois tipos diferentes de solidão: loneliness — o estado negativo de estar sozinho, caracterizado pela sensação de falta — e solitude — a solidão que se escolhe, se deseja e traz felicidade, que amplia a consciência de si, a disponibilidade para a escuta, a criatividade, o sentido crítico e que reduz o stress. Em português podemos traduzir a primeira por solidão e manter a segunda, que o dicionário indica como linguagem poética.

Foi em 2017 que o cirurgião americano Vivek H. Murthy declarou haver uma “epidemia de solidão”. Vivek Murthy era um jovem médico quando percebeu que a sua formação em medicina tinha ficado aquém das expetativas. Nada nessa formação o tinha preparado para um dos problemas de saúde mais frequentes que encontrava na sala de exames: a solidão. Em 2018, o Reino Unido instaurou um Ministério da Solidão, sendo seguido pelo Japão com o Ministério para a promoção do envolvimento dinâmico de todos os cidadãos, em 2021. O Japão criou o seu Ministério porque, até outubro de 2020, morreram mais nipónicos por suicídio do que por Covid-19, registando-se uma subida de 750 suicídios face a 2019 (a primeira subida face ao ano anterior em 11 anos). Eram jovens com menos de 18 anos e mulheres.

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

©alípio padilha, 2023

©Alípio Padilha, 2023

A depressão e o suicídio foram, assim, os fatores determinantes para que estes países tivessem criado os seus ministérios e a Austrália, a Alemanha e o Canadá, preparam-se para lhes seguir os passos. Mas há mais diferenças que há que esclarecer quando falamos de solidão: o isolamento social é entendido como o estado em que o contacto com os outros é mínimo ou inexistente. Distingue-se da solidão, que é um estado subjetivo com sentimentos negativos sobre ter um nível de contacto social inferior ao desejado. Algumas definições caracterizam a solidão como uma forma de isolamento social, enquanto outras afirmam que a solidão é uma reação emocional ao isolamento social. Os dois conceitos não são necessariamente coexistentes: uma pessoa pode sentir-se socialmente isolada e não se sentir solitária. Da mesma maneira, pode estar socialmente vinculada, mas sentir-se só. No encerramento do Atlas da Solidão, falamos com especialistas sobre o tema e com o público para aprofundarmos o tema.

Falámos de como a solidão impacta na democracia, que não escolhe idades nem classes sociais, em como é uma dor psicológica com implicações biológicas que, tornada crónica, pode matar. Sem esquecer a evidência de que as políticas neoliberais — da defesa do predador sobre a presa camuflada pela defesa da liberdade; a defesa da redução de impostos que conduz à redução do investimento nos serviços públicos; a defesa da meritocracia e dos seus benefícios afinal baseada numa mentira sistémica destinada a perpetuar a riqueza daqueles que já são ricos; e a promoção da felicidade trazida pelo capitalismo — aumentam o sentimento de solidão. A ausência de apoio das instituições, o vazio das redes de cuidados e a falta de profissionais conduzem à obstrução da cidadania. O capitalismo neoliberal veio remodelar não só relações económicas, mas também relações pessoais. Em 1981, Margaret Tatcher dizia ao Sunday Times: “A economia é o método; o objetivo é mudar a alma e o coração.”
 
Por tudo isto, era importante encerrar com um encontro.

*Título inspirado no livro Sobre a ideia de uma comunidade de solitários, de Pascal Quignard, publicado no Sr. Teste edições.

Adalberto Carvalho
Coordenador do Observatório da Solidão do ISCET.

A solidão é inerente à condição humana (e talvez a outros animais) desde o nascimento até à morte, podendo extremar-se ao longo da vida enquanto vivência relacional bem sucedida e/ou frustrada, sentida ou pressentida. Esta é a sua dimensão antropológica. Temos, por isso, de aprender a lidar, individual e comunitariamente, com a solidão, o que implica consciencializarmo-nos da representação que fazemos dos outros, das representações que os outros fazem de mim e da representação que eu penso que os outros fazem de mim. Esta é uma tarefa da educação. Há igualmente uma dimensão política da solidão ancorada na organização das sociedades e nas suas estruturas de solidariedade que podem acrescentar — ou não — constrangimentos de frustração, alocronismo e alheamento, nomeadamente pela imposição, ideológica ou mecânica, do individualismo consumista e axiológico, naquela que deveria ser uma sociedade de indivíduos.

Sónia Martins
Psicóloga Clínica, com Doutoramento em Gerontologia pelas Universidades do Porto e de Aveiro e coordenadora do Mestrado em Gerontologia Social.

Em todo o mundo se tem vindo a assistir a um crescimento exponencial de pessoas mais velhas. Esta tendência verifica-se também em Portugal, sendo atualmente o quinto país mais envelhecido do mundo. Sabe-se que com o avançar da idade ocorrem diversas alterações biopsicossociais, que poderão contribuir para que as pessoas mais velhas apresentem uma maior vulnerabilidade para vivenciarem situações de isolamento social e sentimentos de solidão. De entre os diversos desafios do envelhecimento que merecem maior atenção, os fenómenos do isolamento social e da solidão destacam-se não só pela sua elevada ocorrência, mas também por estarem associados a graves repercussões, como a diminuição da longevidade, deterioração da saúde física e mental, bem como diminuição da qualidade de vida. Neste sentido, torna-se crucial o desenvolvimento e implementação de medidas interventivas que permitam mitigar a solidão e combater o isolamento social nas pessoas mais velhas.

Ana Cristina Pereira
Repórter no Público desde 1999, tem interesse especial por temas de direitos humanos e exclusão social.

O homem que mendigava num semáforo e disse que o pior era os condutores fazerem de conta que não estava ali. O homem em situação de sem abrigo que começou a procurar a jornalista para não falar apenas com prostitutas, toxicodependentes, alcoólicos e assistentes sociais. O homem que está preso e boicotou a própria saída por não ter cá fora quem queira ver nem quem o queira ver. A mulher que se dedicou ao marido demente e se perdeu do mundo. A idosa que tem filhos e não tem visitas. A jovem vítima de violência em quem ninguém acredita. O jornalismo de direitos humanos e exclusão social como lugar de expressão de extremas formas de solidão.

Rui Miguel Costa
Doutor em Psicologia pela University of the West of Scotland, é investigador no William James Center for Research, ISPA, sobre os factores psicológicos e comportamentais associados ao funcionamento sexual e sobre a psicopatologia associada às novas tecnologias.

A investigação científica tem vindo a mostrar que paradoxalmente, quanto mais frequente e compulsiva se torna utilização de redes sociais, maior é probabilidade de surgirem sentimentos de solidão, mesmo em quem relata estar satisfeito com família e amigos, assim como nas relações amorosas. Em parte, a resposta poderá estar no nosso passado ancestral. Os humanos evoluíram em pequenos grupos sendo a cooperação entre todos essencial para a sobrevivência, que obviamente só é possível através da presença física. Os sentimentos de solidão evoluem como sinais de alarme que avisam que a sobrevivência está em risco, o que implica que se os sentidos não captam presença física, o sinal de alarme ancestral continuará a tocar, mesmo que do outro lado do écran venham palavras de afecto e apoio, o que com frequência nem acontece. As novas tecnologias não eliminam os ecos dos tempos primordiais. Em paralelo, o estar a sós durante algum tempo pode ser uma experiência agradável e curiosamente estes momentos de solitude bem desfrutada também são importantes para suprimir a solidão, o que poderá ser difícil com frenesim aditivo que com frequência as redes sociais causam.

Artistas: Bert Timmermans, David Marques, Horácio Frutuoso, Isabel Cordovil, Joana Cavadas, Joana Ramalho, José Carlos Teixeira, Luís Barbosa, Mag Rodrigues, Manuel Mota, Margarida Garcia, Paula Diogo, Pedro Lagoa, Vânia Rovisco, Vrndavana Vilasini
 
Conferencistas: Adalberto Carvalho (Filosofia), Ana Cristina Pereira (Ciências da Comunicação), Sónia Martins (Psicologia) e Rui Miguel Costa (Ciberpsicologia).

Conceção, direção artística, curadoria, comunicação e textos: Marta Rema
Produção: Ricardo Batista
Design gráfico: João M. Machado
Assessoria de imprensa: Rita Bonifácio/Paris Texas
Apoio à comunicação: Ricardo Rodrigues
Vídeo: Francisca Manuel
Fotografia: Alípio Padilha
Parceria: Appleton
Parcerias de comunicação: Antena 2, Buala, Baldio, Câmara Municipal de Lisboa, Coffeepaste, Umbigo
Financiamento: República Portuguesa — Cultura / Direção-Geral das Artes.
Organização: efabula

Agradecimentos
 
António Néu, Elsa Garcia, João Almeida, Laurentina Pereira, Manuel Veiga, Marta Lança, Pedro Mendes, Teresa Anacleto, Vera Appleton.