Atlas da solidão
Appleton
31 de março a 29 de abril, 2023
Todos os eventos são de entrada ou frequência livre.
A Appleton funciona nos seguintes horários:
Terça a Sábado, das 14H00 às 19H00
Fechado aos feriados e no dia 6 de abril, 2023
É favor tocar à campainha
Sinopse —
Há um conto de Michel Tournier chamado Tristan Vox que fala de um homem — Félix Robinet — que trabalha na rádio apaixonando multidões com a sua bela voz, mas que não pode dar-se a conhecer fisicamente. Tristan Vox é o duplo de Félix Robinet que se forma através da imaginação dos ouvintes, uma imagem completamente alicerçada numa voz emitida através de circuitos de som, desde o microfone no estúdio ao aparelho de rádio em casa. Uma voz sem corpo, sem substância, sustentada pela distância e por um certo ensimesmamento. A existência de Félix Robinet fica, assim, consolidada numa personagem cuja sobrevivência só é possível à custa do distanciamento, de uma intersubjetividade completamente dilacerada e descarnada.
Em 2017, o cirurgião americano Vivek H. Murthy declarou haver uma «epidemia de solidão». Vivek Murthy era um jovem médico quando percebeu que a sua formação em medicina tinha ficado aquém das expetativas. Nada nessa formação o tinha preparado para um dos problemas de saúde mais frequentes que encontrava na sala de exames. Em 2018, o Reino Unido instaurou um Ministério da Solidão, sendo seguido pelo Japão em 2021. O Japão criou o Ministério da Solidão porque, até outubro de 2020, morreram mais nipónicos por suicídio do que por Covid-19, registando-se uma subida de 750 suicídios face a 2019 (a primeira subida face ao ano anterior em 11 anos). Eram jovens com menos de 18 anos e mulheres.
A solidão impacta na democracia, não escolhe idades nem classes sociais e é uma dor psicológica com implicações biológicas que, tornada crónica, pode matar. Sem esquecer a evidência de que as políticas neoliberais — da defesa do predador sobre a presa camuflada pela defesa da liberdade; a defesa da redução de impostos que conduz à redução do investimento nos serviços públicos; a defesa da meritocracia e dos seus benefícios afinal baseada numa mentira sistémica destinada a perpetuar a riqueza daqueles que já são ricos; e a promoção da felicidade trazida pelo capitalismo — aumentam o sentimento de solidão. A ausência de apoio das instituições, o vazio das redes de cuidados e a falta de profissionais conduzem à obstrução da cidadania. O capitalismo neoliberal veio remodelar não só relações económicas, mas também relações pessoais. Em 1981, Margaret Tatcher dizia ao Sunday Times: “A economia é o método; o objetivo é mudar a alma e o coração.”
Desde 2020, as restrições para conter o vírus SARS-CoV 2 vieram agravar a situação, com elevado custo e consequências potencialmente graves para a saúde mental e física, um risco amplificado naqueles que têm doenças mentais pré-existentes. Mas perante o hodierno flagelo da felicidade, a solidão é um estigma: muitas pessoas negam que se sentem sozinhas. Vivemos no tempo mais conectado da história da humanidade e sentimo-nos isolados, esquecendo também que a solidão e a monotonia têm também um lado positivo: são essenciais para a abertura ao pensamento crítico e para a fruição da criatividade.
Para que serve a solidão? Porque se torna ameaçadora? Como podemos usufruir da nossa solidão num mundo que se tornou mais veloz do que nunca? Atlas da Solidão aborda um tema crucial para o entendimento da contemporaneidade e convoca uma reflexão sobre múltiplas dimensões da solidão, positivas e negativas, num programa interdisciplinar que procura abordar o tema dos pontos de vista teórico, simbólico e prático. O programa — que inclui conversas, um concerto, uma oficina para adolescentes, um curso online, performances, dança e uma exposição — concentra-se na galeria Appleton, em Lisboa, de 31 de março a 29 de abril de 2023, que se torna numa plataforma de encontro entre o público e os intervenientes do projeto.
Com obras de Isabel Cordovil (escultura), Horácio Frutuoso (instalação), Mag Rodrigues (fotografia), Pedro Lagoa (vídeo), Joana Ramalho (desenho), José Carlos Teixeira (vídeo), Luís Barbosa (fotografia) e Bert Timmermans (técnica mista), a exposição Quero um dia em que não se espere nada de mim apropria-se da ideia warburgiana que confere às obras um interesse horizontal — uma fotografia possui o mesmo valor que uma pintura.
Para o público jovem, Joana Cavadas dirige uma oficina de criação artística, exercícios para refletir sobre diferentes perspetivas da solidão e responder à pergunta porque fugimos da solidão? Num mundo em que estamos em constante comunicação, será que podemos sentir-nos sós?
Vrndavana Vilasini concebe um curso online em que pretende abordar a representação da melancolia, em particular na arte e na literatura, a partir de material teórico e poético. Em exibição com um formato de áudio-caminhada estará também Terra Nullius, da dramaturga Paula Diogo, peça que transborda o espaço da galeria, ocupando a geografia urbana da cidade e o espaço virtual de discussão e pensamento. A caminhada-espetáculo inicia-se e termina na Appleton, havendo lugar a uma caminhada solitária nas imediações da galeria, com apoio de um mapa. No final, cada espetador recebe um livro.
O bailarino e coreógrafo David Marques, apresenta Comoção, uma criação nova pensada para o espaço da Appleton acerca da cumplicidade entre a escrita e a dança.
Approach and enter — performance-instalação de Vânia Rovisco que explora os movimentos de aproximação entre sujeitos e corpos, os limites da intimidade, da proximidade física e do corpo como superfície de inscrição de sentido — é apresentada na última semana como instalação no âmbito da exposição coletiva.
Margarida Garcia e Manuel Mota acolhem-nos na Appleton num concerto contemplativo cuja linguagem sonora proto-cinematográfica, onde o silêncio perfura, desvia e perturba constantemente a forma musical, como um ponto de charneira que catapulta o som para o universo da matéria, nos mergulha no recolhimento e reclusão de um tempo que se anula a si próprio e que descobrimos.
Finalmente, especialistas com investigação sobre o tema da solidão estabelecem diálogo com a observação crítica artística, havendo abertura à participação do público: Adalberto Carvalho (Filosofia), Ana Cristina Pereira (Ciências da Comunicação), Sónia Martins (Psicologia) e Rui Miguel Costa (Ciberpsicologia) connosco n'Uma comunidade de solidões.
Descubra o programa.
Programa —
31 março —
Quero um dia em que não se espere nada de mim
Obras de Bert Timmermans, Horácio Frutuoso, Isabel Cordovil, Joana Ramalho, José Carlos Teixeira, Luís Barbosa, Mag Rodrigues e Pedro Lagoa (artes visuais)
Inauguração: 19h00
4 e 5 abril —
Terra Nullius, de Paula Diogo - versão DIY (caminhada-espetáculo)
Horário: áudio e livro disponíveis das 14h00 às 17h50
Classificação etária: M/12
10 a 13 abril —
Melancolia, arte e literatura, por Vrndavana Vilasini (formação online)
Sala aberta: 18h40
Horário: 19h00-20h30
Inscrições: info@efabula.pt [assunto CURSO ATLAS]
14 abril —
Margarida Garcia e Manuel Mota (concerto)
Horário: 21h00
15 abril —
O Mapa, por Joana Cavadas (laboratório de expressão plástica experimental para adolescentes)
Horário: 15h00-17h30
Frequência livre limitada a 8 participantes
O quê: laboratório de expressão plástica experimental
Público-alvo: 14 aos 16 anos
Palavras-chave: ilha, pontes, mapa, laboratório, expressão plástica
Inscrições: info@efabula.pt [assunto ATLAS OFICINA]
Envio de nome do participante e contactos da pessoa responsável (mãe, pai ou tutor).
20 e 21 abril —
Comoção, de David Marques (dança)
Horário: 19h00
Criação, textos e interpretação: David Marques
Olhares exteriores: Nuno Pinheiro e Patrícia Milheiro
Produção: Parca
Coprodução: efabula
Apoio: Produções Real Pelágio, Câmara Municipal de Lisboa /
Polo Cultural das Gaivotas | Boavista
Agradecimentos: Isaac Veloso
28 abril —
Approach and Enter, de Vânia Rovisco (performance-instalação)
Horário: 17h00-19h00
“How do strangers encounters, encounters in which something that cannot be named is passed between subjects, serve to embody the subject?” James Biddle
Agradecimentos: Verónica Metello
29 abril —
Uma comunidade de solidões (conferências de encerramento)
14h00-16h00:
Adalberto Carvalho — Uma condição humana com uma dimensão política
Sónia Martins — Solidão, isolamento social e saúde mental nas pessoas mais velhas
Intervalo
16h30-18h30:
Rui Miguel Costa — Consequências do consumo de tecnologias na solidão
Ana Cristina Pereira — Exclusão e solidão
Marta Rema (moderação)
Duração (cada): 2H00 com intervenções do público
Encerramento
Ficha técnica —
Artistas:
Bert Timmermans, David Marques, Horácio Frutuoso, Isabel Cordovil, Joana Cavadas, Joana Ramalho, José Carlos Teixeira, Luís Barbosa, Mag Rodrigues, Manuel Mota, Margarida Garcia, Paula Diogo, Pedro Lagoa, Vânia Rovisco, Vrndavana Vilasini
Conferencistas:
Adalberto Carvalho (Filosofia), Ana Cristina Pereira (Ciências da Comunicação), Sónia Martins (Psicologia) e Rui Miguel Costa (Ciberpsicologia)
Conceção e direção artística:
Marta Rema
Produção:
Ricardo Batista
Design gráfico:
João M. Machado
Assessoria de imprensa
Rita Bonifácio/Paris Texas
Comunicação:
Ricardo Rodrigues
Vídeo:
Francisca Manuel
Fotografia:
Alípio Padilha
Parceria:
Appleton
Apoio à comunicação:
Antena 2, Buala, Baldio, CMLisboa, Coffeepaste, Umbigo
Organização:
efabula
Financiamento:
República Portuguesa — Cultura / Direção-Geral das Artes