Tanto em Immortality for Two como em Anti-Marta, o resultado é uma tensão entre a individualidade de cada um e a união. Como as linhas celulares imortais estão envolvidas na defesa imunitária, apesar de provirem de duas pessoas apaixonadas, precisam de ser mantidas em isolamento perpétuo. Os transplantes de pele também foram rapidamente rejeitados, dadas as diferenças imunitárias. No entanto, nos dois casos, o pacto pode sobreviver. As linhas celulares imortais podem coexistir no espaço virtual onde a projecção vídeo das culturas celulares vivas se intersectam na instalação. De modo semelhante, a rejeição de enxertos de pele levou à produção de moléculas (anticorpos) capazes de identificar o outro para sempre, uma espécie de sexto sentido que pode ser visualizado através do isolamento de anticorpos apropriados.
Estas duas obras incitam-nos a uma reflexão sobre a forma como nos podemos ligar a outra pessoa e ainda assim manter um forte sentido de identidade. Provam que não só uma mulher e um homem podem afirmar a sua relação e identidade, mas também uma artista e um cientista podem demonstrar a ligação entre as duas disciplinas, ao mesmo tempo que mantêm a sua individualidade. Propõem a necessidade de um equilíbrio entre acordo e desacordo (fazendo um paralelismo com o sistema imunitário, um equilíbrio entre agressão e tolerância) a fim de manter uma relação viva, empolgante e interessante para todas as partes envolvidas.
O vídeo Anti-Marta foi realizado por Jamie Hurcomb.
É o sistema imunitário que identifica e regula a fronteira entre cada ser e o mundo que o envolve. Como afirma Marta de Menezes, ele «identifica quem somos e quem é o outro». A ideia de «imunidade emparceirada», Paired Immunity, é assim uma expressão que comporta uma tensão dialéctica, uma espécie de paradoxo. O conceito de imunidade aponta para uma barreira que separa o ser do mundo, que impede a sua contaminação pelo outro. A ideia do indivíduo autónomo, auto-suficiente, imune às condições e contingências que o rodeiam, imune aos outros com quem partilha o planeta é intrínseca à modernidade, assim como a ideia da separação entre áreas disciplinares.
O trabalho de Marta de Menezes joga com e desafia todas estas fronteiras. Ocupa um campo interdisciplinar no cruzamento das artes visuais, da investigação na biologia e das possibilidades da tecnologia e, em simultâneo, problematiza a tensão entre a individualidade humana e a forma como a relação com os outros e com o mundo, fulcral para a vida, contamina e transforma a identidade.
Nos seus projectos artísticos, Marta de Menezes explora a potencialidade expressiva e imagética dos materiais biológicos, da própria materialidade da vida. O seu trabalho representa uma abordagem singular ao corpo, tornando visíveis os processos moleculares que o compõem. Marta utiliza e incorpora a biologia enquanto forma de conhecimento para experimentar alterações desses processos e incorpora nas suas obras técnicas biológicas como meio de expressão artística e criação de imagens. Operando a uma micro-escala na matéria biológica, introduz nos seus processos especulativos a trama de relações pessoais e afectivas que a envolve, o que nos leva a experimentar o seu trabalho artístico por meio de várias escalas, distâncias e perspectivas. Mais do que um trabalho sobre o corpo, é um trabalho no e com o corpo.